Ser mãe de traficante: ‘As pessoas julgam crianças como meus filhos’

Aviso: este relato contém descrições de violência.

Teresa

Eu vim para Ciudad Juárez com meu pai depois que meus pais se separaram. Éramos só nós dois e ele tinha parentes aqui. Meu pai era comerciante, por assim dizer. Ele vendia chicharrones laguneros (torresmo recheado) nas ruas.

Meu pai me trouxe para cá, mas ele não me criou. Eu não cresci com ele. Morei um tempo com uma tia, depois morei com outra tia e assim por diante. Fui à escola, brinquei, tudo o que acontece na infância. Comecei a trabalhar com 14 anos.

Comecei em uma maquiladora (fábrica de montagem) montando aspiradores. Na época era mais fácil falsificar seus documentos. Consegui o posto mostrando a certidão de nascimento de uma das minhas tias. Foi meu primeiro emprego e meu primeiro salário. Eu sentia muito orgulho do que ganhava. Foi meu primeiro triunfo. Eu trabalhava, ganhava meu dinheiro e podia comprar o que quisesse. A primeira coisa que comprei foram sapatos.

Comecei a trabalhar porque sempre passávamos necessidade em casa. Sempre. Embora nossos tios e nossos pais tentassem nos dar o melhor que podiam, era óbvio que, mesmo que tentassem, sempre haveria necessidade. Meus tios não queriam que eu trabalhasse. Diziam que eu era muito jovem e deveria estar estudando. “Seu lugar é na escola, querida”, diziam. “Você tem que se esforçar agora para que no futuro ninguém mande em você.” Mas é sempre a necessidade que faz você trabalhar. Eles tinham seus próprios filhos e, embora estivessem ajudando meu pai a me criar, não eram obrigados a me sustentar.

Eu não terminei o ensino fundamental em uma escola normal. Eu terminei depois, estudando de forma independente. Foi assim também com o ensino médio. Me casei aos 18 anos e pelo menos me formei antes disso. Eu não seria capaz de me formar depois. Eu tinha deveres a cumprir. Eu precisava comprar minhas próprias coisas e ajudar meu marido. Minhas prioridades eram meus filhos e minha casa.

Não importa o quanto você trabalhe, você nunca consegue dar tudo o que eles precisam

Parei de trabalhar na maquiladora porque meu filho foi assassinado há seis meses. Ele estava envolvido no tráfico de pessoas. Fiquei deprimida. A vida não fazia sentido. Mas a necessidade é sempre mais forte. Agora trabalho de faxineira uma ou duas vezes por semana. De um jeito ou de outro você tem que se virar. Você nunca para de trabalhar.

A única coisa que me motiva agora são meus netos – os filhos do meu filho. Um tem 2 anos e o outro 4. Às vezes não tenho vontade de tomar banho ou de levantar da cama, mas faço por eles. Quando eles perguntam sobre o pai deles, me motivam a seguir em frente, porque me lembro: “O pai deles não está mais aqui. Tenho que continuar por eles.” Minha nora mora comigo. Ela tem 20 anos e trabalha em uma maquiladora, mas essas duas crianças têm muitas necessidades.

Não tenho palavras para explicar a morte do meu filho. Quando meus netos perguntam quando o pai deles vai acordar, dói muito. Alguns dos filhos dos meus amigos já haviam morrido, e a sensação era sempre horrível. Mas agora que estou passando por isso, é inexplicável. Sinto como se tivesse sido mutilada, como se faltasse parte do meu corpo. Como se eu estivesse incompleta.

Não importa o quanto você trabalhe, você nunca consegue dar tudo o que eles precisam. Eles andam com garotos que têm roupas e sapatos bonitos, e eles também querem essas coisas. Às vezes, eles tomam decisões erradas por causa disso. Eu tive cinco filhos e agora tenho apenas quatro – meninos gêmeos, outro menino e uma menina. Um dos gêmeos foi baleado no mesmo incidente em que meu filho foi assassinado. A bala quebrou sua mandíbula em cinco lugares.

Leia esta mesma história, contada por seu filho.

Tive que pedir dinheiro emprestado para pagar o funeral e a cirurgia. Não havia outra opção a não ser pegar um empréstimo de um desses bancos que emprestam dinheiro a juros exorbitantes para pessoas como nós. Meu filho agora tem uma cicatriz onde foi atingido e perdeu a sensação na boca. Ele precisa de mais atenção médica, mas o Sr. Money sempre nos impede.

Empregadores não os contratam por causa de suas tatuagens e pela cor de sua pele

A primeira vez que meus filhos tentaram cruzar a fronteira para ganhar dinheiro tinham 14 ou 15 anos. Eles buscavam, como dizem, o “sonho americano”. Eles queriam se vestir com roupas bonitas, queriam pertencer. Também queriam me ajudar porque viam a necessidade que passamos em casa. Eu dizia que preferia trabalhar eu mesma, ou que eles deveriam esperar até atingir a idade de trabalhar porque poderiam estar arriscando suas vidas. Mas eles têm aspirações.

Eles não me disseram que iam cruzar a fronteira. Senão eu teria impedido. Acordei naquela manhã e eles não estavam em casa. Depois de um tempo, recebi uma ligação. Eles foram detidos pela Imigração americana e repatriados. O escritório de assistência social local ligou para dizer que eu tinha que ir buscá-los.

Agradeci a Deus quando os vi novamente. Perguntei por que tinham feito isso, e eles disseram que era para me ajudar. Então olhei para seus pés. “Precisamos de sapatos, mãe”, responderam. “Não temos sapatos. Eu queria comprar sapatos novos.” Me dói dizer isso, mas eles realmente não tinham sapatos – estavam todos desgastados. Como mãe, dói. Você se sente culpado porque não pode dar a eles o que eles precisam, na hora que precisam. É fácil apontar dedos e dizer: “Você, senhora, não cuida bem deles.” Eles não sabem o que tenho que fazer, o que meu marido tem que fazer, para sustentar nossos filhos. Se eu estivesse com eles o tempo todo, não poderia trabalhar. E se eu não trabalhasse, não poderia alimentá-los.

As pessoas julgam crianças como meus filhos. Quando trabalham de guias ajudando migrantes a cruzar, as pessoas dizem: “Ah, estão atrás de uma maneira fácil de ganhar dinheiro”. Eles veem as tatuagens e pensam que meus filhos são criminosos. Mas o tráfico não é dinheiro fácil. Eles podem cair ou se afogar, ou lidar com alguém que os abandona no deserto. Eles estão arriscando suas vidas.

Eles também são julgados mesmo quando não estão envolvidos no tráfico. Meus filhos trabalharam em muitos empregos. Eles já trabalharam como pedreiros. Eles trabalhavam nove, dez horas por dia no sol. Eles voltam com a pele escura e outros empregadores não os contratam por causa de suas tatuagens e pela cor de sua pele. É difícil para eles, e nada disso é dinheiro fácil.

Como mãe, fico com raiva. E fico com raiva dos meus filhos também. Eu digo a eles: “Logo vocês poderão trabalhar. Há trabalho aqui em Juárez também. Você não precisa correr antes de aprender a andar. Nem tudo na vida se conquista de um dia para o outro. Eu não tinha sapatos antes, mas agora, graças a Deus, tenho. Um dia vocês também realizarão seus sonhos.”

Meu filho, o que foi assassinado, trabalhava cruzando pessoas através da fronteira. Ele me contou que os agentes de Imigração dos EUA o colocaram em uma sala muito quente, onde suou e suou. Em seguida, o levaram para uma sala gelada com o ar condicionado no máximo. Ele costumava ficar doente por causa dessas coisas, mas não abandonou o sonho. Ele dizia: “Vou ganhar um bom dinheiro lá e vou enviar para você”.

Quando meus filhos não estão em casa, vivo sob constante preocupação. Sempre. Temo que não voltem. Vejo no Facebook quantas crianças desaparecem aqui em Juárez e sinto a dor dessas mães. Pelo menos eu vi meu filho novamente depois que ele foi morto. As mães que nunca mais têm notícias de seus filhos passarão a vida se sentindo mortas.


Esta história faz parte de uma série de depoimentos de crianças e mães que vivem em Ciudad Juárez, na fronteira EUA-México. Todas os menores foram pegas cruzando para os EUA, seja para perseguir aspirações pessoais ou para contrabandear pessoas, e agora estão recebendo serviços de justiça restaurativa da ONG Derechos Humanos Integrales en Acción (DHIA). Os relatos foram coletados juntamente com os defensores do DHIA e foram editados para maior clareza. A ilustração é uma representação fictícia produzida por Carys Boughton (Todos os direitos reservados). O nome do narrador também foi alterado.