Ex-senador australiano ataca encobrimento de documentos sobre Timor-Leste
Um ex-senador australiano criticou hoje as autoridades do país por continuarem a bloquear a publicação de documentos de 2000 relacionados com a atuação australiana durante as negociações com Timor-Leste sobre fronteiras marítimas.
Em declarações à Lusa, Rex Patrick criticou o facto de um tribunal administrativo australiano ter realizado audições secretas ao Governo, deliberando, a pedido das autoridades, manter secreta a decisão tomada no caso.
“O Tribunal deliberou na terça-feira, mas eu nem sequer tive acesso à própria decisão e, por isso, nem sei bem o que foi decidido. O tribunal teve um pedido do Governo para que a decisão lhes fosse comunicada primeiro, e na quarta-feira apresentou um novo pedido ao tribunal para manter secreta quer a própria submissão a pedir segredo, quer a decisão do tribunal sobre o caso”, explicou.
“Isto é segredo embrulhado em segredo. Esta é uma questão importante e que devia ser dada a conhecer de forma transparente. Considero estas ações um ataque à justiça aberta”, sublinhou o ex-senador.
Tradicionalmente, os documentos oficiais do Governo australiano são tornados públicos ao fim de um prazo de 20 anos, mas, no que toca ao período imediatamente antes e depois do referendo em que os timorenses escolheram a independência, em 1999, Camberra tem bloqueado a divulgação de parte.
“Em 2020, foram divulgados documentos, mas não foram incluídos alguns documentos relativos ao período de 2000, que incluíam textos referentes às negociações das fronteiras marítimas com Timor-Leste”, disse.
“Eu pedi uma revisão da decisão de não divulgar partes dos arquivos e levei o assunto ao Tribunal Administrativo. Durante esse processo, o procurador-geral australiano emitiu um certificado a determinar que as declarações do Governo nesse processo deviam ser mantidas secretas e eu nem sequer tive direito de apelação”, explicou Patrick, que se declara um “guerreiro pela transparência e liberdade de informação”.
Durante o processo no tribunal administrativo, Rex Patrick foi ouvido numa audição pública de dois dias, em fevereiro de 2022, mas a subsequente audição ao Governo foi mantida secreta e sem a presença do ex-senador.
Rex Patrick entregou ao Tribunal, entre várias declarações, uma do antigo Presidente timorense Xanana Gusmão, na qual defende a divulgação de todos os documentos sobre esse período, lembrando a polémica espionagem realizada por Camberra no Palácio do Governo em Díli, durante as negociações.
“Da minha própria experiência em lidar com questões sensíveis em nome de Timor-Leste com a Austrália, o meu testemunho é de que a divulgação total destes documentos históricos teria um impacto positivo”, escreveu Xanana Gusmão, no texto a que a Lusa teve acesso.
Xanana Gusmão lembrou que esse caso e muitos outros aspetos do processo de negociação entre os dois países sobre petróleo e gás são do conhecimento público e considerou que a divulgação plena fortaleceria a atual relação bilateral.
“A divulgação completa (…) ajudaria a relação entre a Austrália e Timor-Leste, reforçando os laços construídos durante o processo de conciliação”, que levou ao acordo de 2019 sobre fronteiras marítimas.
“Continuar este manto de segredo cria um sentimento de suspeita e impropriedade e não pode permanecer como um elemento das nossas boas relações de vizinhança. Penso que não é uma grande surpresa que os factos reportados enfraquecem a relação entre Timor-Leste e a Austrália. No entanto, a divulgação de documentos que têm agora 20 anos não pode ser razoavelmente considerada como danificando a relação bilateral”, afirmou.
Rex Patrick disse concordar e lamentar que a manutenção do segredo deste processo ocorra já durante o mandato do novo Governo trabalhista australiano, considerando que a divulgação dos documentos ajudaria a “limpar o ambiente”.
“Neste assunto, em particular, parece que quanto mais as coisas mudam, mais ficam na mesma. Este Governo devia ser aberto e transparente, não apenas com Timor-Leste, mas também com o público australiano”, afirmou.
“Toda a gente sabe o que aconteceu, incluindo pessoas em Timor, na Austrália e a nível internacional. Não serve os interesses australianos continuar a manter esta fachada”, vincou Patrick.