Marcelo explica-se de novo e Sales sob fogo por causa das gémeas luso-brasileiras
A revelação de que o ex-secretário de Estado da Saúde terá tido reuniões com o filho do presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, no Ministério da Saúde enquanto decorria o tratamento das gémeas lusobrasileiras forçou, mais uma vez, o chefe de Estado a ter de prestar justificações sobre o caso. Já António Lacerda Sales, que não desmentiu os encontros, está agora no centro da polémica, debaixo de fogo.
“O presidente da República reafirma que não teve conhecimento de quaisquer diligências junto do Ministério da Saúde no caso das gémeas lusobrasileiras, após o envio do dossiê para o gabinete do primeiro-ministro a 31 de outubro de 2019”, lê-se numa nota publicada no site da Presidência da República. Marcelo Rebelo de Sousa, recorde-se, só um mês depois da divulgação do caso fez uma declaração no Palácio de Belém a assumir ter recebido um e-mail do filho sobre a necessidade de tratamento das gémeas. Os pais das meninas conhecem Nuno Rebelo de Sousa. O chefe de Estado recusa ter exercido qualquer favorecimento.
A revelação das reuniões foi avançada pela TVI/CNN. Confrontado por jornalistas no Parlamento, Lacerda Sales não confirmou nem desmentiu a informação, insistindo que só falará em “sede própria” – ou seja, quando for chamado a prestar declarações no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e no inquérito aberto pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).
“Não tenho que desmentir ou confirmar, porque são situações que só em sede própria devem ser tratadas. Não devem ser tratadas na praça pública”, respondeu Lacerda Sales. O ex-secretário de Estado está debaixo do fogo da Oposição. O PS chumbou a sua audição e da ex-ministra da Saúde, Marta Temido, na Assembleia da República, mas a IL anunciou que vai exercer o direito potestativo para impôr essas audiências com caráter de urgência.
Sem condicionar
O bastonário da Ordem dos Médicos garantiu, ontem, que, face à ausência de resposta do Hospital de Santa Maria, vai insistir junto do ministro da Saúde no pedido de informação clínica e técnica, para que a ordem possa eventualmente intervir. Carlos Cortes receia que os “princípios de igualdade e de equidade” possam não ter sido respeitados e frisou que os médicos não podem, nunca, esquecer o seu código deontológico.
Já o ministro da Saúde promete não condicionar as investigações. Questionado sobre se já foi ouvido pela IGAS ou se foi pedida documentação à Tutela, Manuel Pizarro afirmou ser um caso sobre o qual não deve fazer comentários. “Não me parece que seja adequado, no momento em que ocorrem auditorias e inspeções, duas delas por parte de instituições do Ministério da Saúde, o Hospital de Santa Maria e a IGAS, que faça sentido estar a fazer comentários que possam ser interpretados como condicionando ou até perturbando essa investigação”, argumentou.
A IGAS confirmou, em comunicado, que abriu um processo a 5 de novembro e que está a ouvir médicos, gestores hospitalares e familiares das duas meninas. O Hospital de Santa Maria, onde as gémeas foram tratadas, está a fazer uma auditoria interna.
Posição
Família não vai regressar a Portugal
A família das gémeas está desde fevereiro no Brasil e não vai regressar a Portugal por entender que está a ser “diabolizada”, não tendo “condições de segurança”. Em resposta ao JN, a equipa de advogados da mãe das meninas, Wilson Bicalho, Alexandra Branco Rodrigues, Eugénia Elenin e Marília Santos Cabral, garantem que a mãe “nunca recorreu a cunha ou a tratamento de favor” e que se sente alvo de discriminação por também ser brasileira. Os advogados explicam que a primeira consulta terá acontecido no Hospital Lusíadas, em Lisboa, a 6 de dezembro de 2019, com a médica Teresa Moreno, também profissional do Hospital de Santa Maria, que terá transferido o caso para o Serviço Nacional de Saúde. Quanto às cadeiras de rodas, a família indica que a entrega está prevista para a segunda quinzena de dezembro. Quanto às duas cadeiras elétricas já atribuídas, foram cumpridos “todos os procedimentos legais”, garantem os advogados.
Momentos da polémica
3 novembro
Medicamento de 4 milhões de euros
A 3 de novembro, uma reportagem da TVI revelou que duas crianças gémeas, residentes no Brasil, tinham recebido um tratamento de 4 milhões de euros (medicamento Zolgensma) para a atrofia muscular espinhal. Segundo a peça jornalística, suspeitava-se da influência do presidente da República na atribuição do tratamento. As meninas conseguiram a nacionalidade portuguesa em 14 dias, tendo o ministério da Justiça assegurado que corresponde aos prazos normais.
4 novembro
Presidente nega interferência
“Não fiz [pressão]. Não falei ao primeiro-ministro, não falei à ministra [da Saúde], não falei ao secretário de Estado, não falei ao diretor-geral, não falei à presidente do hospital, nem ao Conselho de Administração nem aos médicos”, garantiu o presidente no dia a seguir à transmissão da reportagem. Sobre as alegadas pressões levadas a cabo pelo seu filho, eventualmente invocando o seu nome, Marcelo realçou: “Só há um presidente. A família do presidente não foi eleita, não é presidente”.
6 novembro
IGAS e PGR abrem inquéritos
Inspeção-Geral de Atividades em Saúde anunciou abertura de um inquérito ao processo. No dia 24 de novembro, a Procuradoria-Geral da República revela que o processo está em averiguações pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.
A ex-ministra da Saúde, Marta Temido, recusou qualquer envolvimento: “Não tive qualquer contacto com o presidente da República relativamente a este caso, nem dei qualquer orientação sobre o tratamento destas crianças”, garantiu em entrevista ao “Público” e à Renascença.
4 dezembro
Presidente revela mail do filho
Um mês depois, o presidente admitiu, numa declaração no Palácio de Belém, ter recebido um email do filho em 2019 a alertá-lo para o caso. Marcelo voltou a negar “qualquer favorecimento” e revelou que enviou para a PGR toda a documentação de Belém relativa às gémeas. Questionado sobre se tem condições para se manter no cargo, foi taxativo: “Certamente”.
Sem data
IL força audições chumbadas por PS
Apesar do chumbo do PS, o IL vai usar o direito potestativo para impor as audições no Parlamento. Além de Marta Temido e Lacerda Sales também o ex-presidente do conselho de administração do Hospital de Santa Maria, Daniel Ferro, e a atual presidente, Ana Paula Martins vão ser ouvidos.