Meloni depois de Mussolini. A Itália de volta à extrema-direita
A extrema-direita conquistou neste domingo a terceira maior economia da União Europeia, com uma vitória histórica do partido de Giorgia Meloni nas eleições legislativas na Itália, país que, pela primeira vez desde 1945, está prestes a ser governado por uma liderança pós-fascista
“Os italianos enviaram uma mensagem clara a favor de um governo de direita liderado pelos Irmãos de Itália”. Já era madrugada desta segunda-feira e Giorgia Meloni reagiu assim aos primeiros resultados saídos das eleições italianas e que apontavam a sua vitória. “Faremos isso por todos” os italianos.
“É hora de os italianos voltarem a ter um governo que sai de uma decisão nas urnas e é algo em que todos têm que prestar contas,” sublinhou Meloni.
A política de 45 anos lamentou uma campanha eleitoral que descreveu como “agressiva e violenta” e assegurou que “a Itália e a União Europeia precisam do contributo de todos perante a complexa situação” em que se encontram.
Meloni lamentou a abstenção de 36%, a mais elevada de sempre, e assegurou que o objetivo será “reconstruir a relação entre o Estado e os cidadãos”.
“O desafio agora é fazer com que as pessoas acreditem nas instituições; muitos italianos ainda decidem não confiar”, disse.
Já esta manhã, com os resultados de 59.772 secções de voto (de um total de 60.399), o partido de extrema-direita liderado por Giorgia Meloni, Fratelli d’Italia (Irmãos de Itália), confirma-se como o mais votado, com 26,19% dos votos, de acordo com a última atualização.
A coligação de direita e extrema-direita obtém 44,10% dos votos nas legislativas de domingo em Itália. O bloco de centro-esquerda, liderado pelo Partido Democrático, de Enrico Letta, conquista 26,11%, enquanto o Movimento 5 Estrelas obtém 15,41%.
A Liga, de Matteo Salvini, obtém 8,93%, enquanto o partido conservador Força Italia, de Silvio Berlusconi, recolhe 8,28% dos votos. Liga e Força Itália são os potenciais aliados de Giorgia Meloni, dos Irmãos de Itália, numa eventual maioria governamental.
A taxa de abstenção deverá ficar pelos 36,09%, sendo que a taxa de participação é de 63,91%.
“Agora posso dizer que, com estes números, podemos governar”
Durante a noite, na sede de campanha do Irmãos de Itália a reação era de algum entusiasmo contido. Segundo o jornal La Stampa havia “um silêncio irreal, cheio de cautela”. Mas havia quem não escondese algum entusiasmo, como o deputado Fabio Rampelli: “Agora posso dizer que, com estes números, podemos governar.”
Salvini foi o primeiro líder partidário a comentar estas projeções, escrevendo no Twitter: “O centro-direita tem vantagem tanto na câmara baixa como no Senado. Será uma noite longa, mas agora quero dizer-vos obrigado”.
Pouco depois o coordenador do Força Itália reagiu às projeções no Twitter. “O Força Itália é determinante para a vitória do centro-direita e será determinante para a formação do novo governo”, escreveu Antonio Tajani.
Já depois da meia noite, Debora Serracchiani, responsável do Partido Democrático, admitiu a derrota e classificou o PD como “a segunda força mais votada e a primeira da oposição”. Reconhecendo que os resultados ficaram “aquém do esperado” para o partido, Serracchiani deixou ainda um aviso: “A direita tem a maioria no Parlamento, mas não tem a maioria no país.”
Devido à pulverização partidária, nenhum partido deverá obter uma maioria suficiente para governar sozinho. A direita e a extrema-direita conseguiram um acordo de coligação que poderá levar Giorgia Meloni ao poder e a tornar-se na primeira primeira-ministra de Itália. Integram a coligação o partido conservador Força Itália, do ex-primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, e a Liga, de Matteo Salvini, conhecido pela sua política dura contra a imigração.
Chega acredita que “estes ventos de mudança irão chegar a Portugal”
A vitória da coligação de direita merece ser destacada segundo o Chega de André Ventura. Numa nota enviada às redações, o partido português considera que os resultados “obtidos por Giorgia Meloni e Matteo Salvini nas eleições italianas abrem caminho a uma verdadeira mudança de políticas em Itália”.
O Chega antevê e “está seguro” que isso levará a uma “reconfiguração política da Europa” e que “estes ventos de mudança irão chegar a Portugal”. “Também os portugueses terão direito a virar a página e eleger quem seja capaz de defender os seus interesses”, prevê o partido de André Ventura.
O primeiro-ministro polaco, Mateusz Morawiecki, felicitou Giorgia Meloni pelos resultados nas legislativas italianas.
Também o líder do partido de extrema-direita espanhol Vox, Santiago Abascal, reagiu aos resultados: “Giorgia Meloni mostrou o caminho para uma Europa orgulhosa, livre e de nações soberanas, capazes de cooperar pela segurança e prosperidade de todos. Avanti, Irmãos de Itália!”
O Jordan Bardella, eurodeputado e membro do partido de Marine Le Pen (A Frente Nacional) escreveu no Twitter que “os italianos deram uma lição de humildade à União Europeia”. E o diretor político do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán. Na sua conta pessoal do Twitter, Balázs Orbán escreveu que “nestes tempos difíceis precisa-se mais do que nunca de amigos que partilhem uma visão comum e a mesma abordagem em resposta aos desafios da Europa”. “Longa vida à amizade italiana e húngara”, exaltou.
França “atenta” aos direitos humanos
Perante a vitória da extrema-direita nas eleições de Itália, com o partido de Giorgia Meloni, a obter o maior número de votos, a França já fez saber que vai estar “atenta” aos direitos humanos e ao direito ao aborto em Itália. Foi a primeira-ministra francesa quem o disse esta segunda-feira.
“É evidente que estaremos atentos, com a presidente da Comissão Europeia (Ursula von der Leyen), para que os direitos humanos, o respeito mútuo e em particular o respeito pelo direito ao aborto, sejam respeitados por todos”, em Itália, disse Elisabeth Borne, em declarações à cadeia de televisão BFMTV.
Já a líder do partido de extrema-direita francesa Rassemblement National, Marine Le Pen, disse que Itália elegeu um Governo “patriota e soberanista”, após a vitória de Georgia Meloni nas legislativas de domingo.
“O povo italiano decidiu retomar o destino que tem em mãos ao eleger um Governo patriota e soberanista. Bravo a Giorgia Meloni e Matteo Salvini (Liga), por ter resistido à ameaça da União Europeia, antidemocrática e arrogante”, escreveu Le Pen, numa mensagem difundida pela rede social Twitter.
O regresso da extrema-direita após Mussolini?
Meloni, uma admiradora confessa do ditador Benito Mussolini, poderá ser a primeira mulher a liderar um governo italiano.
O partido Irmãos de Itália, que tem raízes neofascistas, pode vir a formar o governo mais de extrema-direita em Itália desde a queda do ditador Benito Mussolini na Segunda Guerra Mundial.
Os seus aliados, a Liga Norte de Matteo Salvini e o Forza Italia do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi, tiveram resultados menos expressivos, mas entre eles podem vir a ter assentos suficientes para garantir a maioria nas duas casas do parlamento italiano.
O resultado, que ainda precisa ser confirmado, corre o risco de trazer novos problemas para a União Europeia, apenas algumas semanas depois de a extrema-direita ter tido uma subida nas eleições na Suécia.
Meloni, que fez campanha com o lema “Deus, país e família”, abandonou os seus apelos para que uma das maiores economias da Europa deixe a zona do euro, mas diz que Roma deve afirmar mais os seus interesses em Bruxelas.
Quanto tempo pode demorar a formação de um novo governo?
Após as eleições, o Presidente italiano, Sergio Mattarella, como chefe de Estado, realizará consultas aos líderes partidários para avaliar quais as forças políticas que estão dispostas a formar uma coligação. Depois, pedirá, formalmente, ao líder de um dos partidos para tentar formar um governo com uma maioria sólida no parlamento. Se conseguir, Mattarella recebe, então, a lista do Governo, que, depois, tem que conseguir um voto de confiança no parlamento.
Voto de confiança no parlamento
Todos os novos governos em Itália têm que “passar”, no parlamento, com um voto de confiança.
A nova legislatura começa três semanas depois das eleições, com a realização das primeiras reuniões das duas câmaras. Assim, o novo Parlamento deverá estar em funções até meados de outubro. Só depois de escolher os presidentes de duas câmaras, poderá ser agendado voto de confiança.
Quanto tempo duram os governos italianos?
Em tese, o mandato do Governo acompanha o mandato do parlamento, que é de cinco anos. Mas Itália é conhecida pelas crises políticas e pelos muitos governos.
Desde as eleições de 2018, os italianos tiveram três governos: dois chefiados pelo líder do Movimento 5 Estrelas, Giuseppe Conte, e outro por Mário Draghi.
Porque se realizaram estas eleições?
As legislativas estavam previstas para a primavera de 2023, ano que o mandato de cinco anos do parlamento deveria terminar.
As eleições de hoje foram marcadas depois de o Movimento 5 Estrelas ter decidido abandonar a coligação governamental. O primeiro-ministro, Mário Draghi, optou por renunciar, em julho passado, fazendo cair o Governo, dois anos após a sua constituição.