‘Midterms’ nos EUA dividem republicanos e avaliam mandato de Biden
As eleições intercalares nos EUA, marcadas para 8 de novembro, entraram em pré-campanha, com os republicanos divididos à volta de Donald Trump e os democratas a depender da popularidade de Joe Biden.
Nestas eleições, a meio do primeiro mandato do Presidente Biden, vão a jogo todos os 435 lugares da câmara de representantes, 35 dos 100 lugares do senado e ainda 36 lugares de governadores de estados e três de territórios, numas eleições que podem vir a determinar o desfecho das presidenciais de 2024.
A tradição diz que o partido que apoia o Presidente em exercício costuma perder as eleições e as estatísticas mostram que o prejuízo, em média, é a perda de 29 lugares na câmara de representantes, um número mais do que suficiente para os republicanos conseguirem a maioria, já que apenas têm novo lugares de desvantagem.
A tradição diz ainda que, se o Presidente estiver em dificuldades, as perdas para o seu partido podem ser ainda mais significativas, o que fez acender as luzes de emergência no Partido Democrata, quando no início deste ano Joe Biden revelava níveis de popularidade em mínimos históricos.
No senado, a tarefa dos republicanos é ainda mais fácil, já que basta-lhes ganhar um único lugar, entre os 100, para conseguirem desfazer o empate que se vive na câmara alta do Congresso, obtendo uma maioria que pode ser muito obstaculizante para o Presidente democrata.
Felizmente para Biden e para os democratas, Biden tem vindo a recuperar nas sondagens, ao mesmo tempo que o Partido Republicano começou a mergulhar em dois problemas: fortes cisões internas e o envolvimento da sua figura de proa, o ex-Presidente Donald Trump, em complicados processos judiciais.
A um mês e meio das eleições, as sondagens dão uma ligeira vantagem para os democratas, quando genericamente se pergunta aos eleitores se preferem votar num qualquer candidato de um dos dois principais partidos.
Os analistas atribuem a recuperação de popularidade de Biden e do seu partido ao facto de o preço da gasolina estar a baixar, o Governo — com a ajuda da Reserva Federal — parecer estar a controlar a inflação, e o Presidente estar a conseguir fazer passar algumas medidas populares (como aconteceu com o perdão das dívidas de propinas universitárias).
Ao mesmo tempo, a ameaça de retrocesso na legislação sobre o aborto (impulsionada pelos juízes conservadores no Supremo Tribunal dos EUA) deu novo alento aos candidatos democratas ao Congresso, que estão a usar este episódio para alertar para os riscos de novas maiorias republicanas).
Contudo, os analistas políticos aconselham os democratas a serem cautelosos na forma como olham para estes sinais e, ainda mais, na maneira como interpretam as sondagens.
“O passado recente, com Trump na liderança do Partido Republicano, mostrou que as sondagens geralmente subavaliam o comportamento dos eleitores mais conservadores, que muitas vezes dão indicações erradas, talvez com vergonha de ficarem associados a políticas com as quais não concordam totalmente”, disse à Lusa Grace Brook, investigadora de Ciência Política na Universidade de Chicago.
Para esta analista, a sombra de Trump ainda paira fortemente sobre o Partido Republicano, lembrando que têm sido muitos os candidatos ao Congresso que procuram o patrocínio do ex-Presidente, apesar de este estar sob várias investigações judiciais, seja por alegadamente ter retirado documentos confidenciais do Governo ou por suspeita de fraude fiscal e bancária.
A influência de Trump nas próximas eleições intercalares traz um outro risco: depois de o ex-Presidente ter rejeitado os resultados das eleições presidenciais de 2020, muitos candidatos por ele apoiados também já começam a avisar que podem vir a não aceitar o veredito dos eleitores, o que pode provocar o caos político.
“Se tivermos 10 ou 20 ou 30 candidatos republicanos, em diversos estados, a rejeitar os resultados, pode facilmente cair-se num clima de suspeição generalizada e todo o processo eleitoral acabar nos tribunais”, admitiu Brook.
Felizmente para os democratas, os republicanos estão muito divididos, com o líder do partido no senado, Mitch McConnell, a criticar os candidatos apoiados por Trump, nomeadamente por muitos deles estarem a investir nesse ambiente de suspeita sobre o processo eleitoral.
Esse ambiente de suspeição interessa aos republicanos, e especialmente a Trump, numas eleições que também são vistas como uma espécie de referendo ao atual Presidente e ao seu desempenho na Casa Branca.
Para contrariar esta estratégia, os candidatos democratas estão a insistir na fórmula de desacreditar as teorias de conspiração à volta dos resultados eleitorais (realçando as conclusões das comissões de inquérito ao ataque ao Capitólio, onde Trump e os seus apoiantes saíram muito mal vistos).
Por outro lado, os democratas procuram desviar o debate para o campo das medidas sociais, elogiando a forma como Biden e a sua equipa está a procurar travar os sinais de queda da economia, em particular apoiando os mais desfavorecidos, e no investimento em infraestruturas, com pacotes bilionários.
O combate ao crime violento, as alterações à lei eleitoral para evitar discriminar minorias, e o direito universal ao aborto são outros dos temas que os candidatos democratas procuram destacar, sabendo das debilidades dos seus opositores em diversos setores do eleitorado, mesmo nos estados mais conservadores.
Em contrapartida, os republicanos apostam em descredibilizar a estratégia económica de Biden, salientando o despesismo das suas medidas e, em particular, a sua intenção de aumentar impostos que podem afetar o bem-estar das famílias e a capacidade de recuperação das empresas.
Mas os republicanos também jogam as suas cartas no campo da violência urbana, um tema que está a dominar a pré-campanha eleitoral que já arrancou, com os seus candidatos a lembrarem que há vários dos seus opositores que defendem um corte nos orçamentos das forças policiais.
Estes temas são importantes para os candidatos ao Congresso, mas também para os candidatos aos 36 lugares para governadores que estarão em jogo nas eleições de novembro.
Algumas dessas corridas eleitorais estão a ser acompanhadas com particular atenção a partir de Washington, pelos sinais que podem fornecer para as eleições presidenciais de 2024.
Uma das campanhas mais mediáticas é a do Arizona, onde a republicana Kari Lake defronta a democrata Katie Hobbs, que foi uma das vozes mais ativas a denunciar e condenar as tentativas de Trump de contestar os resultados das eleições presidenciais de 2020, tornando-se um dos alvos políticos preferidos do ex-Presidente e do seu partido.
Uma vitória de Hobbs será sempre lida como uma derrota pessoal de Trump, que se tem esforçado em ajudar a candidatura de Lake.
Também o lugar de governador na Florida pode ser relevante, neste caso para perceber se o republicano, Ron DeSantis, consegue ser reeleito e se essa sua eventual vitória o eleva ao estatuto de candidato presidencial, fazendo frente a Trump nessa corrida interna.
Na Florida, também a corrida eleitoral para o senado entre o republicano Marco Rubio (várias vezes candidato a candidato presidencial e uma figura relevante no seu partido) e o democrata Val Demings está a centrar atenções.
A verdade é que, no dia seguinte às eleições intercalares de novembro, os analistas políticos vão começar a falar das presidenciais de 2024, em particular se os democratas sofrerem uma derrota.
“Se os democratas perderem esta batalha, começa a batalha interna nos democratas, que se vão dividir entre os que vão permanecer ao lado de Biden e os que vão questionar se, aos 79 anos, ele ainda terá condições para tentar a reeleição”, conclui Grace Brook.