Mísseis chineses testam Taiwan e Pelosi envia “sinal forte” a Pyongyang
Após a visita que incendiou os ânimos entre Pequim e Taipé, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA esteve na zona desmilitarizada entre as Coreias antes de ir para o Japão.
Alíder da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, já passou pela Coreia do Sul – com direito a uma passagem na zona desmilitarizada na fronteira (DMZ), que Seul diz enviar um “sinal de forte dissuasão” à Coreia do Norte – e está no Japão, última paragem da sua viagem pela Ásia. Mas as consequências da sua visita de terça e quarta-feira a Taiwan ainda se fazem sentir, com a China a lançar exercícios militares com fogo real em redor da ilha (que considera uma província rebelde) num teste a um potencial bloqueio ou invasão e Taipé a “preparar-se para a guerra sem procurar a guerra”.
A China disparou ontem 11 mísseis balísticos Dongfeng para as águas a nordeste e a sudoeste de Taiwan, sendo que pelo menos quatro sobrevoaram a ilha e cinco caíram em águas da zona económica exclusiva do Japão – com Tóquio a exigir o “fim imediato” dos exercícios previstos para durar até domingo. Além disso, 22 caças e dez navios chineses cruzaram por instantes a linha mediana que divide o estreito de Taiwan, tendo sido acionado o sistema de defesa aéreo da ilha, emitidos avisos rádio e enviada a Marinha. O Ministério da Defesa taiwanês indicou ainda ter disparado vários sinalizadores para travar quatro drones que sobrevoaram as ilhas Kinmen (a apenas dez quilómetros da costa chinesa).
Apesar de nos últimos anos os aviões chineses terem multiplicado as incursões na zona de identificação de defesa aérea (ADIZ, na sigla em inglês) – vai para lá do espaço aéreo da ilha e sobrepõem-se em algumas áreas à própria ADIZ chinesa – eram até agora raras as ocasiões em que passavam a linha mediana (fronteira não-oficial entre a China continental e Taiwan). Mas, depois da visita de Pelosi, houve pelo menos 49 incidentes.
O Ministério da Defesa Nacional de Taiwan deixou claro, num comunicado, que irá “manter o princípio de se preparar para a guerra sem procurar a guerra e com uma atitude de não escalar o conflito e causar disputas”. Já o Ministério dos Negócios Estrangeiros condenou os exercícios militares da China, acusando Pequim de “seguir o exemplo da Coreia do Norte ao disparar mísseis propositadamente para águas próximas de outros países” e apelando à comunidade internacional para que “condene a coerção militar” da China.
Os chefes da diplomacia dos dez países da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), reunidos no Camboja, alertaram contra as “ações provocatórias”. A situação “pode levar a erros de cálculo, a confrontos sérios, conflitos abertos e consequências imprevisíveis entre as grandes potências”, indicaram num comunicado. Em Phnom Penh, para encontros bilaterais com os membros da ASEAN, estavam também presentes os chefes da diplomacia da China, Wang Yi, e dos EUA, Antony Blinken. Uma reunião entre ambos foi contudo posta de lado.
Wang Yi, que descreveu a visita de Pelosi a Taiwan como uma “farsa completa” e avisou que “aqueles que ofendem a China serão punidos”, abandonou o local antes do jantar oficial de ontem, sem dar explicações, segundo a Reuters. Já Blinken reiterou que a posição dos EUA em relação a Taiwan não mudou, com Washington a opor-se a qualquer alteração ao cenário atual – especialmente através da força. “Espero que Pequim não fabrique uma crise ou procure um pretexto para aumentar a sua atividade militar agressiva”, referiu.
O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, considerou entretanto que “a visita de Nancy Pelosi não é razão para a China exagerar ou ameaçar Taiwan”, lembrando que ao longo dos anos outros altos responsáveis dos EUA e de outros aliados da Aliança Atlântica visitaram regularmente a ilha. Já o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a China tem direito a efetuar os exercícios militares, acusando os EUA de fomentar artificialmente as tensões e apelidando a visita de Pelosi de “provocação desnecessária”.
Pelosi na DMZ
Enquanto a tensão sobe no estreito de Taiwan, a presidente da Câmara dos Representantes norte-americana seguiu para a Coreia do Sul – onde visitou a DMZ. Pelosi é a mais alta representante dos EUA a ir à linha de demarcação em Panmunjom desde que o então presidente Donald Trump se encontrou ali com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, em 2019. Depois disso, as relações entre os dois países pioraram, com Pyongyang a efetuar mais de uma dúzia de testes de mísseis só este ano.
Em Seul, Pelosi tinha reunido com o homólogo sul-coreano, Kim Jin-pyo, reafirmando o empenho de Washington na desnuclearização de Pyongyang, tendo ambos expressado “preocupação” com a “grave situação” que representa a ameaça nuclear. A visita à DMZ foi vista pelo presidente sul-coreano, Yoon Suk-Yeol, como “um sinal de forte dissuasão contra a Coreia do Norte”. Mas o facto de não ter recebido Pelosi (apenas falaram ao telefone) está a ser criticado.
O presidente, que tomou posse em maio com a promessa de reforçar os laços com os EUA e intensificar os exercícios militares conjuntos que desagradam à Coreia do Norte, alegou estar de férias para não receber Pelosi. Contudo, não está fora da capital, tendo sido fotografado a assistir a uma peça de teatro em Seul. A imprensa local especula que a decisão pode ter sido tomada para evitar desagradar à China – considerado um dos principais aliados dos norte-coreanos.