O soldado leal ao serviço do MPLA vs a dupla herança que é duplo desafio do líder da UNITA
Mais de 14 milhões de eleitores estão inscritos para votar na próxima quarta-feira 24 de agosto numa das mais competitivas eleições em Angola, para escolher uma nova Assembleia Nacional, de onde sairão, o presidente e o vice-presidente. João Lourenço, candidato do MPLA, procura a reeleição como presidente, depois de em 2017 ter obtido 61,07% dos votos, enquanto Adalberto da Costa Júnior estreia-se como candidato da UNITA à chefia do Estado. Ficam aqui os perfis de ambos.
João Lourenço
Opresidente João Lourenço, líder do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), atualmente general na reserva, é um soldado leal ao partido que governa Angola desde a independência, em 1975, e que soube esperar pela sua hora.
Soube, nomeadamente, ultrapassar uma longa “travessia do deserto” de praticamente 10 anos, quando em 2003 o então presidente José Eduardo dos Santos anunciou começar a ser tempo de o partido pensar na sua sucessão.
João Lourenço interpretou o anúncio à medida dos seus interesses e posicionou-se na corrida à sucessão, o que lhe valeu o afastamento da primeira linha partidária, sendo vítima da forma sibilina como José Eduardo dos Santos sempre exerceu o poder em Angola.
Remetido para uma das vice-presidências da Assembleia Nacional, João Lourenço é reabilitado politicamente em abril de 2014, com a nomeação para a pasta da Defesa Nacional, e dois anos depois com a eleição em congresso para a vice-presidência do MPLA, último passo para vencer as eleições presidenciais em 2017.
João Lourenço nasceu no dia 5 de março de 1954 no Lobito, província de Benguela, e fez os estudos primários na província do Bié e secundários também no Bié e em Luanda.
Com o definhar do regime colonial português juntou-se à luta de libertação nacional no centro de recrutamento e operações do MPLA na Ponta Negra e em agosto de 1974 recebeu formação militar no Centro de Instrução Revolucionária (CIR) Calunga, em Dolisie, na vizinha República do Congo.
Entre 1978 e 1982 recebeu formação político-militar na então União Soviética, na Academia Político-Militar Vladimir Ilitch Lenine onde, além da formação em artilharia pesada, trouxe o título de mestre em Ciências Históricas.
No regresso a Angola participou em 1982 e 1983 em operações militares no centro no Cuanza Sul, no Huambo e no Bié e assume o comando da Região Militar Centro, no Huambo.
A carreira política foi feita também a pulso e em 1984 foi eleito pela primeira vez para a Assembleia do Povo, anterior designação da Assembleia Nacional.
Eleito presidente em 2017, João Lourenço procura a 24 de agosto a eleição para um segundo mandato e a sua prioridade é reinventar-se para ter mais tempo no exercício do poder.
O início do primeiro mandato foi auspicioso. Conhecido como JLo, rapidamente passou a ser também conhecido como “exterminador implacável” ao dirigir as baterias da luta anticorrupção contra a família de José Eduardo dos Santos.
Eleito com a promessa de ser “o homem do milagre económico”, João Lourenço quis deixar a sua marca e rasgar com o passado. As reuniões que patrocinou no palácio presidencial com vozes críticas do regime e as entrevistas dadas à imprensa são exemplos das diferenças que procurou impor relativamente ao exercício do poder do antecessor.
Paralelamente, João Lourenço deu início a inúmeras reformas, nomeadamente ao nível económico, que vão desde a liberalização da moeda às privatizações, passando pela reorganização da banca angolana.
Mas à medida que se aproxima o fim do primeiro mandato a situação socioeconómica complica-se e os efeitos da covid-19, protestos sociais pela falta de concretização das promessas de mais emprego feitas cinco anos antes, combate à corrupção semeando a discórdia no seio do MPLA e finalmente a morte, no início de julho, de José Eduardo dos Santos, cavando tensões com a família do ex-presidente, formam o caldo a que se junta uma oposição mais organizada e liderada pelo carismático novo líder da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Adalberto Costa Júnior.
Depois de cinco anos no poder, JLo revela os traços que caracterizaram o exercício do poder pelo antecessor, José Eduardo dos Santos, procurando garantir a continuidade.
Sobretudo, a continuidade do aparato policial, militar e dos serviços de inteligência, instrumentos indispensáveis para a manutenção no poder.
Adalberto Costa Júnior
Portador de uma dupla herança que é também um duplo desafio, Adalberto Costa Júnior, líder da UNITA e candidato à presidência de Angola nas eleições de 24 de agosto, apresenta-se como um político jovem, hábil e de verbo fácil.
Nascido a 8 de maio de 1962 em Quinjenje, que na altura pertencia a Benguela e atualmente integra a província de Huambo, a dupla herança de Adalberto Costa Júnior (ACJ) advém de ser um mestiço que não participou na luta armada em Angola.
Essa dupla herança constitui igualmente um duplo desafio: o primeiro deita por terra as reiteradas acusações do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, partido que governa Angola desde a independência em 1975) à alegada marginalização que era feita aos mestiços pela União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
ACJ compensa o não ter lutado de armas na mão na guerra civil angolana com um trajeto cosmopolita e apetecível a jovens urbanos, um setor em expansão em Angola, mercê da sua prolongada passagem pelas representações da UNITA no Porto, Portugal (responsável pela JURA, estrutura juvenil), Portugal (1991-1996) e Itália e Vaticano (1996-2002).
A sua juventude e carisma foram durante algum tempo arma de arremesso no seio da própria UNITA. Tratava-se de um “defeito” que lhe era apontado por dirigentes históricos da UNITA, partido que levou tempo a libertar-se do peso institucional do seu fundador e líder histórico, Jonas Savimbi, cuja morte em fevereiro de 2002 abriu as portas à reconciliação e ao início da normalização no país.
Olhado como um dos políticos mais populares de Angola, ACJ é um líder carismático que domina as redes sociais, indo assim ao encontro da população jovem angolana que não viveu nem a guerra pela independência nem a guerra civil e cujos modelos de sociedade busca na Internet.
Regressado a Angola em 2003, passa a exercer o cargo de secretário Provincial da UNITA em Luanda, e até 2009 torna-se o porta-voz do partido.
Entre 2009 e 2011 foi secretário Nacional para os Assuntos Patrimoniais da UNITA e entre 2012 e 2015 foi eleito primeiro vice-presidente do Grupo Parlamentar da UNITA, passando a ser presidente dos deputados da UNITA entre 2015 e 2019.
É nesta altura que a sua notoriedade salta as fileiras da UNITA através das análises e intervenções no parlamento, na televisão e na rádio.
Formado em Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior de Engenharia do Porto e em Ética Pública na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma, ACJ não poupava nas críticas ao MPLA e as suas intervenções eram replicadas nas redes sociais YouTube, Facebook ou WhatsApp.
O seu peso e relevo colocaram-no na mira do atual poder em Angola. O Tribunal Constitucional inviabilizou a sua primeira eleição para a liderança da UNITA, em 2019, anulando o congresso que o elegera, obrigando o maior partido da oposição a repetir o processo.
Resolveu o óbice de ter dupla nacionalidade: portuguesa e angolana, com a renúncia à primeira e, na repetição do congresso que o levou à presidência do partido, ACJ obteve 96,43% dos votos dos congressistas.
Casado, com quatro filhos, numa entrevista em outubro de 2015 ao programa Fala Só, da Voz da América, ACJ confessa o sonho de ser autarca em Benguela.
O destino coloca-o agora na disputa da presidência de Angola em que é um sério rival do atual chefe de Estado, João Lourenço.
Seja qual for o resultado da votação, uma previsão é desde já possível fazer: Adalberto Costa Júnior é um nome a contar num futuro próximo para Angola.