Sessão de Cinema: “Dr. Estranhoamor”
Um artigo de opinião de João Lopes.
É uma das grandes (e perturbantes) comédias sobre a Guerra Fria — para Stanley Kubrick foi também uma nova ligação com os estúdios ingleses.
E aí está mais uma obra-prima que podemos reencontrar graças ao streaming: “Dr. Estranhoamor” (1964), de Stanley Kubrick.
Digamos que é o capítulo de transição da obra de Kubrick dos EUA para Inglaterra. O seu filme anterior, “Lolita” (1962), já tinha sido rodado, em parte, em estúdios ingleses. “Dr. Estranhoamor” inicia, afinal, o período mais conhecido da sua filmografia — lembremos apenas que se seguiria “2001: Odisseia no Espaço” (1968).
No original “Dr. Strangelove”, o filme apresenta-se com um longo subtítulo que poderemos traduzir assim: “Como eu aprendi a não me preocupar e a adorar a bomba.” Que bomba? A bomba atómica! Esta é a saga de um presidente, dos seus cientistas e militares a discutirem se devem ou não utilizar a energia nuclear para combater o inimigo, desse modo ameaçando destruir grande parte da presença humana no planeta Terra…
Escusado será dizer que há no trabalho de Kubrick uma dimensão eminentemente política, cujo valor simbólico infelizmente se mantém, mesmo se é um facto que o filme nasce como reflexo muito directo das convulsões da Guerra Fria (recorde-se que o Muro de Berlim tinha começado a ser construído no verão de 1961). Ao mesmo tempo, a contundência dessa dimensão política é tanto mais eficaz — e profundamente perturbante — quanto “Dr. Estranhoamor” é uma vertiginosa comédia, por certo das melhores que se fizeram ao longo da década de 60.
Com um elenco que inclui Peter Sellers (interpretando três personagens!), George C. Scott, Sterling Hayden, Slim Pickens e Tracy Reed, “Dr. Estranhoamor” permanece como um caso invulgar de um objecto de cinema cujas conotações realistas são tanto mais fortes quanto o seu tom é, paradoxalmente, delirante e artificioso. Em resumo: um momento “obrigatório” do trabalho de um dos maiores cineastas da segunda metade do século XX.