Tribunal da UE ainda pode vir a clarificar se invalidade dos metadados abarca casos transitados em julgado
Em Abril passado, o TC declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, duas normas que, desde Novembro de 2009, obrigavam as operadoras de telecomunicações a guardarem durante um ano os chamados metadados das comunicações electrónicas (por exemplo, o dia, a hora, a duração, o número de destino e a localização dos aparelhos usados numa chamada telefónica) para efeitos de investigação criminal.
Isso mesmo admitiu Raquel Brízida Castro, professora de Constitucional na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, numa conferência organizada esta terça-feira pela Ordem dos Advogados sobre os efeitos da decisão do TC.
A constitucionalista defendeu, contudo, que, na sua opinião, os casos transitados em julgado ficam salvaguardados já que o próprio Tribunal Constitucional poderia ter determinado o contrário e não o fez. “A regra dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral salvaguarda o caso julgado em nome do princípio da segurança jurídica”, explicou a universitária. Excepcionalmente, essa regra pode ser afastada, se a norma que foi declarada inconstitucional for de âmbito penal e o respectivo conteúdo for menos favorável ao arguido, o que é o caso. “Mas, para tal, o Constitucional tinha de ter dito expressamente isso, o que não aconteceu”, sublinhou Brízida Castro.
A docente admitiu que há constitucionalistas, como o professor Jorge Miranda, que consideram que esta faculdade prevista no artigo 282.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, é na realidade uma obrigação. Tal é compatível com uma norma prevista no Código Processo Penal (artigo 449.º, n.º 1, alínea f) onde se diz que a revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando for declarada pelo TC com força obrigatória geral uma norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à sua condenação. “No entanto, mesmo o professor Jorge Miranda considera que, para poderem ser revistos casos julgados, tem de existir uma decisão expressa do Tribunal Constitucional nesse sentido”, destacou a constitucionalista.
A professora universitária referiu, no entanto, que o Direito da União Europeia não afasta a possibilidade de uma invalidade destas ter efeito mesmo em casos já transitados em julgado, ou seja, em situações em que a condenação já se tornou definitiva. É, por isso, que, face ao princípio do primado do Direito da UE, há quem defenda que o artigo da Constituição que prevê os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral não deve ser aplicado. “Se o Supremo Tribunal de Justiça, que admite e analisa os recursos extraordinários de revisão [de decisões transitadas em julgado], tiver dúvidas quanto a este aspecto, deve fazer um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, que se pronunciará sobre o tema”, referiu a oradora.