Ucrânia anuncia força de combate com “um milhão de homens”
Ministro da Defesa diz que o plano é recuperar os territórios ocupados do Sul . Especialistas militares duvidam que Ucrânia tenha capacidade para uma “grande contra-ofensiva”.
Aordem foi dada. Volodymyr Zelenskiy pediu aos chefes militares que elaborem planos que permitam criar uma força de combate com “um milhão de homens”, equipada com armamento da NATO, para recuperar os territórios perdidos no Sul do país – as áreas costeiras do Mar Negro que “são vitais para a economia” ucraniana.
A intenção do presidente ucraniano foi revelada ao The Times pelo ministro da Defesa, Oleksii Reznikov, que está a enviar cartas, com pedidos, aos seus “colegas” de outros países explicando as razões “políticas” e o “tipo de armamento” necessário.
“O presidente deu ordem ao chefe militar supremo para que sejam elaborados planos. O Estado-Maior das Forças Armadas está a analisar e depois dirá que para atingir esse objetivo precisamos de xyz”, explicou Oleksii Reznikov.
O ministro ucraniano revelou ainda que foi Ben Wallace, ministro britânico da Defesa, a “chave” para a mudança na abordagem militar. A Ucrânia passou a receber a “artilharia padrão” da NATO, sistemas de lançamento de rockets teleguiados e drones de alta tecnologia.
Oleksii Reznikov diz estar “satisfeito” com a ajuda que está a receber dos países NATO, mas que precisa de “mais, e rapidamente, para salvar a vida dos nossos soldados. Por cada dia de espera perdemos 100 soldados”.
Mas como vai a Ucrânia conseguir um milhão de homens? Oleksii Reznikov faz as contas de forma simples: “Temos aproximadamente 700 mil nas forças armadas. Se somarmos a guarda nacional, polícia e guardas de fronteira somos cerca de um milhão”.
Parte do plano passa também pelo treino no Reino Unido, que já começou em várias bases militares, de soldados ucranianos e de civis sem experiência militar: dez mil recrutas que vão treinar e receber equipamento moderno. Objetivo? Transformar rapidamente civis em soldados eficazes.
“Usando a experiência de classe mundial do Exército britânico, ajudaremos a Ucrânia a reconstruir suas forças e aumentar a sua resistência, enquanto defendem a soberania do seu país e o seu direito a escolher o seu próprio futuro”, garantiu Ben Wallace.
Um sinal desta mudança, a verificar-se, parece estar na anunciada “contra-ofensiva” ucraniana para recuperar terreno na região ocupada de Zaporizhzhia e no sul de Kherson.
Porém, nos últimos dias, segundo os serviços secretos militares britânicos, nem Rússia nem Ucrânia obtiveram “ganhos territoriais”. O que parece estar a acontecer é “uma fadiga de combate” nas tropas russas baseadas, após a ocupação, em territórios no Leste e Sul da Ucrânia. Do lado ucraniano, a palavra para o que se passa no terreno – os combates diretos – é “resistir”. Sergai Haidai, governador de Lugansk (o da Ucrânia), explica que “uma pequena parte da região ainda resiste. Há batalhas ferozes”. Uma pequena parte de uma região quase completamente ocupada, apesar da “carne para canhão” – recrutas russos já em combate – que Moscovo enviou para o terreno.
No Sul, o avanço ucraniano é “lento, mas seguro”. E vitórias? “Anunciaremos logo que forem confirmadas”, prometeu Nataliya Humenyuk, chefe de comunicações do comando operacional do exército ucraniano na zona sul.
Na BBC, um analista acrescenta outra leitura: as palavras de Oleksii Reznikov, o ministro ucraniano da Defesa, são mais um “grito de guerra do que um plano concreto para uma contra-ofensiva”. Dito de outra forma: “Normalmente, o que acontece é lançar um contra-ataque, uma surpresa operacional. Anunciá-lo publicamente é forçar os russos a comprometer mais recursos para se defender da ameaça”, diz Jack Watling, investigador do Royal United Services Institute.
Jonathan Beale, especialista em defesa da BBC, considera que a Ucrânia “até pode acreditar que é um bom momento para recuperar o Sul enquanto a Rússia concentra esforços militares no Leste, no Donbass”, mas a realidade é que os “recursos militares ucranianos estão a ser consumidos no Donbass, várias unidades já perderam mais de metade das suas tropas”.
Na prática, seria repetir o erro russo, já corrigido, de combater em várias frentes. E para além de “políticos ocidentais deixarem claro aos políticos e militares de topo da Ucrânia que não é o momento para uma grande contra-ofensiva”, há que olhar para Kharkiv e Kherson, sublinha Beale, onde as “operações de contra-ofensiva ucranianas tiveram sucesso limitado”.
Outro dado: a desvantagem ucraniana, face aos russos, no uso de artilharia pesada. A diferença é de 1 para 8. E nem os M142 Himars, já fornecidos pelos Estados Unidos, que “causaram impacto no campo de batalha” são ajude que baste para travar os avanços e a vantagem russa.
As palavras de Mark Rutte, primeiro-ministro dos Países Baixos que se encontrou com Zelenskiy, resumem de forma clara o “futuro”: “Esta guerra pode durar mais tempo do que desejávamos ou esperávamos. Mas isso não significa que fiquemos passivamente a assistir ao que se passa”. A solução: “apoiar agora e nos próximos anos”.